Seis respostas para as principais dúvidas que os empreendedores enfrentam quando decidem contratar um executivo para assumir a direção da empresa que eles criaram - Por GABRIEL FERREIRA
Poucos momentos são mais delicados na trajetória das empresas do que uma troca de comando – ainda mais quando a direção sai das mãos dos fundadores para as de um presidente contratado no mercado. Segundo uma pesquisa da consultoria Page Executive, especializada em recursos humanos, quase 70% dos executivos que substituem um dos fundadores são demitidos sem atingir os objetivos que foram definidos no momento da contratação. Mas dois terços dos empreendedores que decidem escolher um forasteiro como presidente não desistem de seguir com o processo de sucessão, e, geralmente, a segunda tentativa acaba sendo bem-sucedida. Veja, nas próximas páginas, respostas às principais dúvidas dos donos de pequenas e médias empresas na hora de escolher um presidente.
1 - Qual o momento certo de contratar um presidente? Existem diversas situações que levam os empreendedores a passar o comando para um executivo. Uma delas ocorre quando se está à procura de investidores. Em alguns casos, os gestores dos fundos que compram participações em empresas emergentes têm preferência por negócios menos dependentes dos donos – eles pressupõem ser mais fácil administrar uma aquisição quando uma gestão profissionalizada já tenha sido iniciada. Quando não procuram empresas nas quais os donos já tenham se afastado do dia a dia, a profissionalização acaba sendo uma exigência desses fundos durante a negociação para um aparte de capital – frequentemente eles esperam que os fundadores entreguem a condução dos negócios a executivos mais experientes. No caso das empresas familiares, a necessidade de contratar um presidente surge da impossibilidade de encontrar um sucessor entre os herdeiros. Pode ser que não haja ninguém na família qualificado para assumir a tarefa. Outras vezes, disputas entre os parentes podem comprometer a continuidade do negócio – e nesses casos recorrer a alguém de fora pode ajudar a selar a paz e acabar com o conflito entre os sócios. Essa é, porém, uma das situações mais delicadas para quem for escolhido para o cargo. “O executivo corre o risco de se tornar um mero mediador de conflitos”, afirma Wagner Teixeira, da consultaria Höft – Bernhoeft & Teixeira, especializada em processos de sucessão de empresas. “É difícil para alguém nessa situação fazer um bom trabalho”.
2 - O que fazer antes da troca de comando? Deixar a empresa mais transparente diminui os riscos de que a sucessão dê errado. É importante criar processos para orientar a administração. De um lado, o futuro presidente passa a contar com indicadores de gestão, essenciais para tornar decisões embasadas sobre os rumos do negócio. De outro, o dono da empresa pode estabelecer metas a ser alcançadas e avaliar com mais precisão o desempenho de quem for contratado. “O novo executivo deve ser informado sobre quais resultados se espera dele”, diz Luiz Marcatti, sócio da consultoria Mesa. “E o empreendedor deve saber o que cobrar do novo presidente”. Antes de passar o bastão adiante, existem questões que devem ser esclarecidas. Qual o grau de autonomia que terá o novo executivo? Como a nova gestão terá de prestar contas e em qual periodicidade? Como definir as metas, o que acontece quando não são atingidas? Há prêmios caso os objetivos sejam superados? As respostas a essas questões ajudam a definir o perfil do profissional a ser contratado para a função – dependendo do caso, ele pode ser mais ou menos agressivo, ser alguém capaz de agir com mais independência ou um profissional disposto a se submeter a um grau maior de controle pelos acionistas.
3 - Como escolher a pessoa certa para o cargo? Ao procurar um executivo, muitos empreendedores buscam alguém com um estilo de gestão parecido com o deles próprios. Mas a ilusão de que é possível encontrar uma espécie de clone como substituto gera, na maior parte das vezes, uma grande frustração. Normalmente, é melhor que o sucessor tenha poucos pontos em comum com o fundador da empresa. Na verdade, quanto maior a semelhança, pior – só faz sentido contratar um presidente se o dono da empresa está convencido da necessidade de encontrar alguém melhor do que ele próprio para conduzir os negócios. “O empreendedor e o executivo precisam ter perfis técnicos complementares”, diz Rogério Faé, da Une Consultaria, que ajuda pequenos e médios negócios a desenvolver e a implantar boas práticas de governança. O ideal é que o profissional contratado tenha potencial para lidar com os grandes desafios que a empresa tem de enfrentar para subir de patamar. Se o objetivo é aumentar as vendas e iniciar uma fase de expansão acelerada, por exemplo, o perfil mais adequado é o de alguém com experiência na área comercial. Existem alguns perfis mais comuns de executivos dispostos a assumir a presidência de pequenas e médias empresas. Um deles é de empreendedores experientes que, por algum motivo, resolvem voltar ao mercado, mas sem assumir os riscos que o dono de um negócio precisa suportar. Também há os profissionais que em algum momento da carreira estiveram em cargos de direção de grandes companhias – como ex-presidentes em busca da oportunidade de contribuir com a expansão de uma empresa menor ou profissionais mais jovens que esperam ganhar experiência no cargo de principal executivo de um negócio emergente antes de alçar voos mais altos. Seja qual for o histórico profissional, um bom candidato a presidente deve ter experiência como gestor e empatia com os sócios. “O executivo precisa demonstrar interesse em aderir à cultura da empresa”, afirma João Marcio Souza, diretor da Talenses, empresa que faz recrutamento de profissionais para altos cargos. Consultarias especializadas podem ajudar a buscar no mercado os candidatos à presidência. Existem no mercado empresas que se dedicam a auxiliar negócios familiares a fazer esse tipo de transição. Mas quem não quer gastar muito dinheiro com a escolha do presidente pode recorrer à própria rede de contatos. Frequentemente o nome mais apropriado é o de alguém que já trabalha na empresa – a vantagem é diminuir possíveis choques culturais entre o executivo e os sócios. É fundamental, porém, que a mera familiaridade não seja a única razão para essa escolha. “Se a pessoa escolhida não tiver as competências necessárias para comandar a empresa, não vai adiantar”, diz Marcatti.
4 - De que forma comunicar as mudanças na empresa? A troca de comando pode causar certa apreensão entre funcionários, clientes e fornecedores. Traçar uma estratégia de comunicação cuidadosa ajuda a fazer a transição com maior naturalidade. Assim que o novo presidente for nomeado, a mudança deve ser comunicada aos empregados. Em alguns casos, os principais clientes e fornecedores também devem ser avisados. A mensagem deve explicar por que o empreendedor está se afastando do comando, o que pesou na escolha do novo presidente e, em linhas gerais, qual será a missão do novo gestor. Tudo isso deve ser resumido em três ou quatro parágrafos curtos – textos mais longos vão passar a impressão de que a empresa tem dificuldade para explicar a troca de comando. Os especialistas em comunicação interna dizem que processos como esse devem sempre ser anunciados como uma evolução do negócio, e não como uma ruptura com o passado ou um recomeço. Como esse tipo de notícia gera ansiedade, a mudança só deve ser comunicada quando já estiver concretizada. Cabem aí poucas exceções. Os principais diretores da empresa, por exemplo, devem saber com antecedência da intenção do empreendedor em contratar um executivo para ser seu sucessor – ou eles podem se sentir pouco prestigiados caso sejam informados ao mesmo tempo que os demais funcionários. É o tipo de coisa que pode gerar, logo de saída, desgastes desnecessários para o presidente recém-chegado. Pode acontecer também que, ao saber de um processo de seleção em andamento, algum dos diretores se apresente como candidato ao cargo ou queira indicar um nome que não vinha sendo considerado até então.
5 - Como fazer a transição? É importante que haja um período de troca de experiências entre os sócios e o presidente contratado. Assim, todos têm tempo para se acostumar às novas funções. “O aprendizado maior normalmente é para o dono, que tem de lidar com a diminuição do poder”; afirma Adriana Cambiaghi, da consultaria de recursos humanos Robert Half Nesse processo, os demais funcionários da empresa também começam a sentir o estilo do sucessor e percebem as mudanças de estilo na gestão. Quem está acostumado a entrar na sala do dono sem pedir licença, por exemplo, pode ter de acostumar a ter menos liberdade. A transição pode ser conduzida de diferentes formas. Em alguns casos, o futuro presidente é contratado para outra função – uma diretoria importante, por exemplo – e vai recebendo aos poucos mais poder e autonomia, até ser nomeado formalmente para o cargo principal. O novo executivo pode assumir a presidência logo ao chegar e contar com o apoio dos sócios até estar adaptado às novas funções. Uma boa alternativa é realizar reuniões frequentes entre os empreendedores e o presidente – duas vezes por semana no início, por exemplo – e ir aumentando gradativamente o período entre um encontro e outro. Mas a transição não deve se arrastar por muito tempo. O ideal é que essa fase dure de seis meses a no máximo um ano. “Quando esse processo fica muito longo, as pessoas se acomodam”, diz Faé, da Une Consultoria.
6 - Qual deve ser o papel do dono após a sucessão? Este é um dos principais pontos de conflito entre empreendedores e os presidentes contratados. Em vez de se afastar da direção, muitos donos de pequenas e médias empresas querem continuar mandando como sempre fizeram antes. A recomendação da maioria dos especialistas é que os sócios deixem os cargos de direção e se dediquem à tarefa de estabelecer estratégias e avaliar o desempenho do executivo contratado. Existem empreendedores que, embora tenham decidido se afastar do dia a dia, ficam a toda hora pedindo informações sobre os resultados da empresa aos funcionários mais próximos – geralmente a empregados antigos que eles próprios contrataram. Essa situação só causa constrangimentos e pode levar a um rápido desgaste no relacionamento com o executivo. O óbvio: não se deve passar por cima da autoridade de quem foi contratado para assumir a gestão da empresa. O risco é deixar os funcionários confusos e sem saber a quem obedecer. “Quando a imagem da empresa está muito ligada à do dono, o cuidado deve ser redobrado”, diz Marcelo Lico, diretor da consultoria de governança Crowe Horwath. Os problemas tendem a ser ainda maiores quando o empreendedor decide continuar no dia a dia do negócio, mesmo que se dedicando apenas a uma área específica, como o desenvolvimento de produtos ou a direção comercial. Quem faz isso precisa aprender a lidar com a dupla função de chefe e subordinado de seu principal executivo. Raramente esse tipo de arranjo funciona. “Nessas situações, o fundador da empresa precisa se resignar a ver outra pessoa tomando as decisões em seu lugar”, afirma Teixeira, da Höft.
Fonte: Exame PME | Junho 2015 | p. 54-59